9/7/23

Ética apontamentos introdutórios

Filosofia

A Ética refere-se especificamente ao comportamento humano. O comportamento humano, quando livre, pode ser qualificado como bom ou mau. Ética diz respeito a pensar e agir bem.

A noção de ética implica, portanto, algumas noções correlatas: a liberdade (faculdade ou capacidade humana de se auto-determinar para um fim que seja bom); a noção de lei interior ao homem (que estabeleceria a referência entre o bem e o mal); a noção de consciência (que aprova ou recrimina intimamente o bem e o mal). Estas noções, tratadas no plano individual, podem ser extrapoladas para a vida social, e se tornam ainda mais complexas.

O homem é um animal social. A vida social impõe uma série de limites às opções individuais. A liberdade humana é assim relativa ou condicionada. A aceitação desses limites supõe uma formação, uma educação para a vida social. Nessa formação – além da educação familiar – influem a instrução escolar, a comunidade, a mídia. Esta constatação nos remete à consideração da responsabilidade de pais, educadores, formadores de opinião, responsáveis pelos meios de comunicação: todos, direta ou indiretamente, contribuem para a formação (ou deformação) ética dos indivíduos.

Dado seu caráter normativo, o tema pode assumir um tom antipático: e assim é, se perdemos de vista a idéia inicial: ética diz respeito ao comportamento humano voluntário, livre. O comportamento ético não se impõe: é uma adesão livre ao que se apresenta como bom, e não uma submissão exterior a um conjunto de regras e proibições. Obviamente, na maior parte dos casos esta submissão é necessária  – o comportamento ético é também um comportamento “legal”- mas não se reduz a ele. Em determinados casos – tratando-se de leis injustas – o comportamento ético exige o descumprimento destas leis.  

A noção de ética se conecta aos temas da liberdade e da consciência individual, bem como à ideia de uma “lei moral” inata ao homem, com amplos desdobramentos na vida social.  

Noção de Ética

O homem percebe de modo espontâneo a bondade ou maldade dos atos livres: qualquer pessoa tem a experiência de certa satisfação ou remorso por ações realizadas. A partir da constatação desse fato, surgem perguntas acerca da qualificação da conduta humana: que são o bem e o mal? por quê isto é bom ou mau? A resposta a essas indagações leva ao estudo dos atos humanos enquanto bons ou maus. Assim, a Ética é a parte da filosofia que estuda a moralidade do agir humano; isto é, considera os atos humanos enquanto bons ou maus em um sentido muito concreto, não extensível aos atos ou movimentos não livres .

A Ética procura sistematizar e fundamentar os princípios do agir humano, sob o aspecto de sua retidão moral ou moralidade. Assim, proporciona as normas necessárias para agir bem. Nesse sentido, a Ética é um saber prático – no dizer de Santo Tomás de Aquino – “porque não se detém na contemplação da verdade, mas aplica esse saber às ações humanas”.

Aristóteles afirma que não estudamos Ética para saber o que é a virtude, mas para aprender a fazer-nos virtuosos e bons, de outra maneira, seria um estudo completamente inútil.

Ética pessoal

Ética diz respeito a pensar e agir bem. E, como resume Aristóteles, “o homem feliz vive e age bem”. A finalidade da vida política seria tornar os cidadãos “bons e capazes de nobres ações”.

Mas como educar para a ética, isto é, como favorecer que o homem chegue em sua maturidade a pensar e agir bem? Responde o autor: “Devemos tornar-nos justos praticando atos justos”.

Para reconhecer os atos justos, entra em jogo a noção de consciência; para aderir à sua prática, entra em jogo a liberdade; e para fundamentá-los, entra em jogo a noção de lei moral. Assim, consciência, liberdade e lei moral são noções relacionadas à noção de ética. Vamos tratá-las, em apertada síntese.

Consciência moral

A consciência é o juízo individual, da razão prática, que aprova as ações boas e reprova as ações más. Ou seja: é o juízo pelo qual uma pessoa reconhece a qualidade moral de um ato concreto.

É um princípio amplamente admitido que o homem deve agir de acordo com a sua própria consciência. O  equilíbrio interior do homem exige uma coerência entre o que se  pensa e o que se faz. Comumente a exigência de uma atitude ética corresponde à exigência de uma atitude coerente.

Há um ditado popular segundo o qual “quem não vive conforme pensa acaba pensando conforme vive”. O adágio expressa a dificuldade que o homem tem de agir habitualmente de modo contrário à sua consciência: o desequilíbrio é superado de uma das seguintes formas: ou retificando a conduta, admitindo o erro, se for o caso; ou modificando a norma, passando a considerar como bom ou indiferente uma conduta que, a princípio, por exemplo, era recriminada pela consciência.

Quando a conduta recriminada como má tem reflexos na vida social é possível que exija sanções até mesmo de tipo penal. Não é incomum, entretanto, que alguns criminosos hajam perdido o “sensor” da consciência e não manifestem especiais remorsos diante de condutas claramente injustas (roubos, homicídios..). Possivelmente, encontraram interiormente justificativas para essa conduta, de tal modo que acabaram “pensando conforme vivem”.

Percebe-se assim, que a vontade humana tem um papel importante na aquisição do saber moral: não é fácil considerar a reta ordem das ações se não estamos dispostos a admiti-la ou a aceitá-la.

Liberdade

Os atos humanos livres são aqueles escolhidos após um juízo da consciência. Assim, a liberdade consiste na capacidade da vontade humana de mover-se por si mesma ao bem que a razão lhe apresenta. E a liberdade implica responsabilidade, isto é, imputabilidade. As ações boas livremente praticadas merecem aprovação, louvor; as ações más praticadas por um agente livre merecem reprovação, censura. Ou seja: o homem é responsável moralmente pelas ações que livremente pratica.

Lei

Em uma primeira aproximação a este tema, podemos dizer que a consciência age como um juiz que aplica uma determinada lei ao julgar um caso concreto. Que lei é esta? A chamada “lei moral natural”, isto é, uma lei íntima ao homem que lhe dá um padrão de referência acerca do bem e do mal. A lei moral aponta, por exemplo, para a bondade que encerra o amor aos pais. Se no caso concreto, um filho se volta contra o pai e o mata, a consciência recrimina essa ação concreta como “má”.

Dada a repercussão que determinadas ações contrárias à lei moral natural têm na vida social, as sociedades tendem a legislar a vida social, imputando determinadas ações como criminosas, impondo sanções ou penas, a fim de resguardar determinados valores, como, por exemplo, a vida e a propriedade.

A lei se apresenta assim como um “sinalizador”, uma orientação para o exercício da liberdade. Em outras palavras: o homem possui uma capacidade íntima de aderir com sua vontade ao bem que quiser, o homem é livre. Mas a lei impõe limites à ação exterior. A liberdade não é o mesmo que onipotência: o homem pode querer o que quiser, mas não pode fazer o que quiser, porque a vida social impõe, para resguardar a vida, a propriedade, e a liberdade dos homens, determinados limites à sua ação.  

Fundamento da Ética

A filosofia clássica fundamenta a ética na própria natureza humana e reconhece a existência objetiva de uma lei moral natural, não escrita, não editada, mas impressa no coração do homem, que em qualquer época, lugar e cultura pode reconhecê-la. Exemplos que corroboram essa percepção são uma série de preceitos e normas comuns a diferentes culturas e civilizações, que censuram de maneira muito similar determinadas condutas – o furto, o homicídio, a mentira, etc, – e aprovam outras – a consideração para com as autoridades, a confiança, etc.. Nessa concepção, a lei civil deve reconhecer os princípios da lei moral natural, e caso, por qualquer razão, não o faça, o homem pode – e em alguns casos deve – violar as leis civis, pois a lei moral natural é anterior e superior a estas.  

A existência de uma lei moral natural – universal no tempo e no espaço, imutável, inscrita no coração dos homens, indicando em seu íntimo o bem e o mal, irrevogável pelas leis humanas – foi expressa de uma maneira poética na tragédia grega Antígona, de Sófocles (497 a.C – 405 a.C). Antígona, por razões de Estado, havia sido proibida de dar sepultura a seu irmão. No entanto, mesmo correndo o risco de ser condenada à morte por haver descumprido essa proibição legal, resolve piedosamente enterrar seu parente, e é então indagada pela autoridade civil (Creonte):

Creonte: -…Confessas ou negas ter feito o que ele diz?
Antígona: – Confesso o que fiz! Confesso-o claramente!
Creonte: – Sabias que, por uma proclamação, eu havia proibido o que fizeste?
Antígona: – Sim, eu sabia! Por acaso poderia ignorar, se era uma coisa pública?
Creonte: – E, apesar disso, tiveste a audácia de desobedecer a essa determinação?
Antígona: – Sim, porque não foi Zeus que a promulgou; e a Justiça… jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; nem eu creio que teu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis, não são escritas a partir de ontem ou de hoje; são eternas, sim! E ninguém sabe desde quando elas vigoram. – Tais decretos, eu, que não temo o poder de homem algum, posso violar sem que por isso me venham punir os deuses!…”

Coloca-se então um conflito entre o poder político, que esgrime para justificar-se a necessidade da disciplina, e as obrigações derivadas de uma lei moral e religiosa mais elevada. As intenções de Sófocles são claras: o dramaturgo faz ver como Antígona tem razão em face do excesso de autoritarismo. Sófocles quis advertir seus concidadãos em relação ao perigo inerente a uma perda da perspectiva teonômica da lei.  

Historicamente, o pensamento político liberal veio, porém a fundamentar a ética social não mais na “natureza” humana, e sim na “vontade” humana, em especial, na vontade da maioria em uma determinada sociedade. Desloca-se assim um fundamento objetivo, em algo dado – a natureza – para um fundamento subjetivo, em algo eleito – a vontade. Deste modo, o que a maioria admite como bom ou razoável e socialmente aceitável, é ético; o que repugna à “consciência social”, é anti-ético.

A vontade da maioria expressa-se em grande parte nas leis civis, válidas em uma determinada sociedade. No entanto, o âmbito da ética ultrapassa os limites legais. Por exemplo: ainda que não comporte uma sanção legal, a ação de “furar fila” repugna à maioria, é anti-ética, ainda que não seja anti-jurídica.

Essa concepção liberal, entretanto, encontra limites para sua aplicação, e o limite, em última instância, é dado pela “lei moral natural”. O exemplo histórico comumente mencionado diz respeito ao “Julgamento de Nuremberg”, o  tribunal internacional que, após a Segunda Guerra Mundial, julgou ou criminosos nazistas, e os condenou. Alguns dos criminosos justificavam-se sob o argumento de que “eram apenas  soldados”, “cumpriam as leis” – e, de fato, Hitler assumiu o poder legitimamente, eleito pela maioria, editando leis e normas válidas de acordo com o processo legislativo estabelecido. No entanto, a única atitude aceitável para os “soldados” seria não cumprir as leis injustas – em suma, estavam diante do mesmo dilema de Antígona.

Esse “dilema” – que em certo sentido é um limite à concepção liberal – tem sido contornado mediante a edição de normas de caráter internacional que os países signatários se comprometem a observar. Dessa índole são as Declarações Internacionais de Direitos Humanos, que sintetizam valores tidos como universais, a serem respeitados em qualquer legislação. Sugestivamente, surgem, precisamente, após a Segunda Guerra Mundial.

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